Fabio Nogueira*
Este artigo contou com contribuições de Hermano do Amaral Pinto Jr. – diretor do Depto. de Infraestrutura da Fiesp e da Futurecom, Prof. Alexandre Kalache – Presidente do Centro Internacional de Longevidade-Brasil e co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade, e de Walter Feldman – presidente da Longevidade Expo + Forum e Diretor Institucional da i9Med Digital. O autor agradece as contribuições e assume plena responsabilidade pelo texto final
O apagão que São Paulo está vivendo há mais de 75 horas está colocando pessoas sob risco de morrer por falta de energia. Está mais do que na hora da energia elétrica ser vista como ela é: um fator essencial à vida e que não pode ficar sob responsabilidade apenas de quem a trata como números em uma tela de computador.
No final de semana de finados, São Paulo viu-se novamente às voltas com tempestades, quedas de árvores, interrupção no fornecimento de energia elétrica, caos no trânsito e pessoas desabrigadas.
Isso acontece todo ano, principalmente no verão. A cidade é castigada por chuvas torrenciais em janeiro e fevereiro. É um fenômeno sobejamente conhecido. A culpa é sempre jogada na natureza. Nos últimos anos nem tem sido necessária uma intempérie. Qualquer vento ou chuva leve é suficiente para provocar interrupção no fornecimento. Virou rotina e a responsabilidade continua sendo da natureza.
Desta vez metade da cidade ficou 30 horas sem energia. No momento em que este texto é escrito, passadas 77 horas da tormenta, ainda há áreas com a rede desligada. É a gota d’água. Agora é necessária uma mobilização geral da sociedade para se acabar com essa completa irresponsabilidade.
A vida cada vez mais depende de eletricidade. Se cem anos atrás a energia servia apenas para iluminação e operação de alguns poucos eletrodomésticos, hoje tudo depende dela: trabalho à distância, estudo à distância, comunicação celular, forno elétrico, preservação da comida, chuveiro, entretenimento, alarmes de segurança e praticamente tudo o mais que se possa imaginar. Quando os carros elétricos se popularizarem, também o transporte individual e o coletivo dependerão da disponibilidade de energia. Em ela faltando, a vida para. Ou morre.
A cidade de São Paulo está envelhecendo. As pessoas com mais de 60 anos compõem 17% da população, um número que deverá atingir 30% até meados do século. São 2 milhões de indivíduos idosos, dos quais 500.000 moram sozinhos.
Essas pessoas não dependem da eletricidade apenas para comer, tomar banho e assistir TV. Elas dependem da eletricidade para viver.
Quanto mais o mundo envelhece, mais se busca monitorar a vida das pessoas de modo a se garantir pronto atendimento. A tecnologia evolui nessa direção. Atualmente, você usa dispositivos de monitoramento de saúde instalados na sua casa. O seu celular é capaz de identificar uma queda e chamar a ambulância automaticamente. A família acompanha a vida de um parente idoso que mora sozinho por intermédio de câmeras de video operadas remotamente. Remédios são armazenados na geladeira. Se a pessoa se sente mal, o primeiro atendimento é feito via telemedicina. Comunicação é essencial quando se trata de saber como uma pessoa está e prover socorro, caso necessário.
E tudo isso depende de eletricidade. A mesma eletricidade que falta por 70 horas quando cai uma chuva.
A pergunta óbvia é: porque qualquer coisa faz faltar energia?
Eu morei nos EUA, em Boston. No tempo em que eu estive por lá choveu, nevou, fez temperaturas abaixo de 25 graus negativos no inverno, fez calor acima de 35 graus no verão, tivemos um tornado na Grande Boston com ventos muito mais fortes do que assolaram São Paulo e também tivermos muitos acidentes de carro e quedas de árvores. Sabe quantas vezes o fornecimento de energia foi cortado? Nenhuma.
O que acontece em São Paulo é que, ao contrário do restante do mundo, a fiação é aérea. E fiação aérea está sujeita a ventos, raios, acidentes de carro derrubando postes, galhos de árvores fazendo os fios encostarem e provocando curtos circuitos, quedas de árvores velhas, caminhões altos se chocando com a rede, roubos de fios e acidentes com equipamentos de obras. Tudo isso, e mais uma penca de outros fatores, leva à interrupção frequente do fornecimento.
Energia elétrica é um serviço tão essencial que precisa ser garantido em 100% do tempo. A vida das pessoas mais velhas e, também de qualquer um que esteja doente ou precise de acompanhamento, depende cada vez mais de equipamentos que funcionam eletricamente.
Há muitas formas complementares de se aumentar a taxa de disponibilidade de energia:
- Redundância na fiação. Temos de ter dois ou três circuitos por região. Se um falhar, os demais garantem o suprimento. Redundância é um recurso clássico em engenheira quando é necessário garantir a disponibilidade de funcionamento de qualquer equipamento em 100% do tempo, como bem sabem os projetistas de avião;
- Enterrar a fiação, tornando-a menos sujeitas aos inúmeros acidentes naturais e não naturais;
- Ter mais de uma concessionária distribuindo energia
- Monitorar com lupa a performance das concessionárias, punindo com multas milionárias a baixa performance;
- Implantar sistemas de geração distribuída de energia. O conceito tradicional de trazer energia gerada lá em Itaipu, a 1.100 kms da cidade, e permitir que uma única empresa distribua essa energia pela mancha urbana não é mais adequada. A geração precisa ser local, na maior extensão possível, e a distribuição não pode ficar dependente de uma única concessionária, seja ela pública ou privada;
- Implantar smart grids, ou rede elétrica inteligente, que se utiliza da tecnologia da informação para fazer com que o sistema seja mais eficiente, confiável e sustentável;
- Isolamento de circuitos danificados e interconexão dos demais;
- E uma revisão completa do anacrônico modelo de distribuição.
Eletricidade é parte essencial da vida, assim como a água e a comida. Tão essencial que tem de deixar de ser responsabilidade exclusiva do Ministério das Minas e Energia e ser também parte das preocupações do Ministério da Saúde e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Se não mudarmos a forma como a energia é disponibilizada, teremos cada vez mais gente morrendo simplesmente pelo fato dos sistemas de atendimento, monitoramento, comunicação e suporte de vida falharem.
E morrer por falta de energia, em pleno 2023, é regredir ao século 19 em mais um dos muitos aspectos da vida brasileira que insistem em permanecer presos a conceitos antigos.
*Fábio Nogueira é CEO do Instituto Observatório da Longevidade, Vice-Presidente da ADVB, Palestrante, Mentor e Conselheiro. O Instituto Observatório da Longevidade é um think tank que constrói inteligência sobre o consumidor maduro e a economia prateada. Nossas atividades incluem eventos, projetos especiais e consultoria corporativa em soluções mercadológicas (inovação, branding, estudos estratégicos de mercado, mapeamento e clusterização de consumidor, estratégias de entrada, desenvolvimento de canal comercial, etc) para o mercado prateado. Nossos escritórios parceiros na Europa, Israel e Estados Unidos oferecem suporte a estudos de mercado mundial, benchmarks e outras referências à economia prateada.