O Fórum São Paulo da Longevidade 2025 abre espaço para reflexões profundas sobre como envelhecer com qualidade de vida, autonomia e participação social. Entre os destaques da programação está o Seminário Longevidade e Universidade, conduzido pela USP 60+, referência nacional em iniciativas acadêmicas voltadas ao público 60+.
Nesta entrevista, o nefrologista Egídio Dorea — médico do Hospital Universitário da USP, coordenador do Programa USP 60+, professor universitário e conselheiro do Centro Internacional da Longevidade (ILC) Brasil — compartilha sua visão sobre os principais desafios e oportunidades da longevidade no Brasil. Ele fala sobre os impactos da inclusão intergeracional, os eixos estratégicos do programa, o papel da educação na redução do idadismo e a importância de transformar os anos adicionais de vida em uma experiência plena e significativa. Confira a íntegra da entrevista:
Fórum São Paulo da Longevidade: O Programa USP 60+ é referência nacional em iniciativas voltadas à longevidade, promovendo inclusão, protagonismo e aprendizado contínuo. Qual é a importância de trazer essa experiência acadêmica para um espaço como o Fórum São Paulo da Longevidade?
Egídio Dorea: O programa USP 60+ é uma referência entre as UATIs (Universidades Abertas à Terceira Idade) do Brasil e América Latina, não somente pela sua longevidade — foi lançado em 1993 — e abrangência — são mais de 10.000 vagas anuais distribuídas em centenas de atividades por todos os nossos campi —, mas também pela sua ampla abertura. Vale saber que não é necessário nenhum requisito prévio para frequentar uma das suas atividades. Destaco também o fato de ser gratuito e do seu caráter intergeracional: alunos 60+ frequentam as salas de aula junto com alunos da graduação em torno dos seus 20 anos.
A experiência de frequentar a USP 60+ tem efeito benéfico na saúde mental, física e social dos participantes, com redução das taxas de depressão, isolamento social e solidão, bem como melhoras na participação como cidadão, autonomia, independência, bem-estar e autoestima. Trazer essa experiência de mais de 30 anos é fundamental, pois serve de exemplo e de inspiração para muitos outros que estarão presentes no Fórum São Paulo da Longevidade, sobre a importância de tornar-se um agente ativo do seu processo de envelhecimento.
Fórum São Paulo da Longevidade: No Seminário Longevidade e Universidade, que acontece no Fórum, a USP 60+ apresenta uma visão estratégica e integrada sobre o envelhecimento, com oito palestrantes e quatro painéis. Quais são os principais eixos de discussão que o público encontrará nesse encontro?
Egídio Dorea: Discutiremos sobre o envelhecimento feminino. No Brasil e no mundo, as mulheres têm expectativas de vida maiores que os homens. Mas elas não envelhecem melhor.
A diferença entre a expectativa de vida e a expectativa de vida saudável na mulher brasileira está em torno de 12 anos. Quais são as causas? Será um painel feminino para discutir o envelhecimento feminino. Serão abordados o panorama atual desse envelhecimento; o idadismo de gênero; a menopausa e suas consequências na cognição; o papel da mulher no trabalho e como uma diferença salarial baseada no gênero ao longo de um curso de vida impacta no processo de envelhecer; e o cuidado. As mulheres são as principais responsáveis pelo cuidado. Como isso interfere no seu próprio cuidado? Quem cuidará delas ao envelhecerem? Esses não são todos, mas alguns dos principais aspectos que refletem e são responsáveis por um possível envelhecimento menos saudável da mulher. Em um mundo que envelhece e cuja população envelhecida é constituída majoritariamente por mulheres, não podemos deixar de discutir esses temas que são de interesse de todos, não somente das mulheres.
Fórum São Paulo da Longevidade: Entre os painéis, temas como saúde da mulher, Medicina 3.0, inclusão digital e nutrição ganham destaque. Como esses tópicos refletem os novos desafios e oportunidades da longevidade em um país que envelhece rapidamente?
Egídio Dorea: Ganhamos em torno de 20 a 30 anos de vida. Hoje, apesar de vivermos em um ambiente de muita desigualdade, envelhecer tornou-se o nosso destino. Essa foi a nossa primeira revolução da longevidade. Mas não estamos envelhecendo bem. E a nossa segunda revolução será a de diminuirmos a diferença que existe entre expectativa de vida e expectativa de vida saudável. Viver mais anos com mais qualidade de vida.
Para isso, precisamos mudar a forma como encaramos o processo de saúde e doença, promovendo a prevenção. Precisamos pensar em nossas vidas daqui a 30, 40 anos e começar a nos planejar para essa longevidade ampliada, mais autônoma e independente. É nesse contexto que se encaixa a Medicina 3.0, na qual a promoção e prevenção estão fundamentadas por pesquisas, mas não limitadas por elas, o que amplia a nossa percepção do nosso eu, do outro e da nossa sociedade como um todo. Saúde física, emocional e social são contempladas em sua integralidade. Nesse contexto, estar inserido social e digitalmente é fundamental. A tecnologia, desde que bem utilizada, torna-se uma ferramenta essencial para tornar a pessoa um agente ativo deste processo.
Fórum São Paulo da Longevidade: O envelhecimento ativo e saudável depende de múltiplas dimensões — da saúde física ao engajamento social. De que maneira o programa da USP 60+ busca articular todas essas dimensões para promover bem-estar integral?
Egídio Dorea: As atividades oferecidas pelo programa USP 60+ estão distribuídas em três grandes eixos: Curricular, Didático-Cultural e Esportivo. Contemplam, dessa forma, diversos aspectos associados à saúde física e mental, pois abordam múltiplos fatores ligados ao envelhecimento saudável. Além disso, a participação dentro de um campus amplia e fortalece a rede social, reduzindo os riscos de isolamento e solidão. O aluno 60+ sente-se — e é — mais visível dentro de uma comunidade.
Adicionamos ao longo dos anos atividades que mostram a importância do 60+, como os prêmios Arte e Literatura USP 60+ e os simpósios de Envelhecimento Ativo da USP. E a campanha #SouMaisSessenta, juntamente com a Prefeitura e o Metrô de São Paulo, de conscientização e combate ao preconceito etário/idadismo, que ainda é tão pouco discutido em um país que tem mais de 32 milhões de idosos, e que precisa promover o envelhecimento saudável da sua população e fazer com que todos sintam-se incluídos e pertencentes.
Fórum São Paulo da Longevidade: Um dos pontos fortes do programa é estimular a troca de experiências intergeracionais. Que transformações tem observado no ambiente universitário a partir dessa convivência entre jovens e pessoas acima de 60 anos?
Egídio Dorea: Cada vez mais tenho visto uma presença maior de adultos mais longevos na universidade. Não somente pela USP 60+, mas também nos cursos de graduação. Entretanto, apesar de estarmos em um ambiente orientado por regras contra qualquer tipo de discriminação, ainda temos comportamentos idadistas. Nesse sentido, a educação é a principal ferramenta para que ocorra uma redução do preconceito.
As universidades, empresas e outras instituições precisam entender que o envelhecimento populacional é a nossa realidade e que conceitos idadistas arraigados têm que ser desconstruídos. Precisamos nos identificar com essa pessoa mais longeva, porque esse será o nosso futuro. Um ambiente diverso e inclusivo é melhor em termos de produtividade e qualidade de vida. Quando essa convivência ocorre, a exemplo do que acontece dentro da USP 60+, os benefícios são positivos tanto para o jovem quanto para o mais velho. Não podemos e não devemos mais alimentar esses comportamentos separatistas e polarizadores. Não basta mais dizer que não somos racistas, sexistas ou idadistas. Temos que ser antirracistas, anti-sexistas e anti-idadistas.

Fórum São Paulo da Longevidade: Ao longo da sua trajetória, como trabalhar com a longevidade influenciou sua percepção sobre a sua própria longevidade? Quais conceitos ou mitos precisou rever pessoalmente?
Egídio Dorea: Trabalhar com a longevidade me faz reavaliar as minhas prioridades diariamente. Como eu quero ser e estar daqui a 10, 20, 30 anos. Quais serão os meus legados? O que posso fazer, dentro das minhas possibilidades, para que não somente eu envelheça mais realizado, mas que também possa ajudar no processo de envelhecimento de outros. Como posso contribuir como família, amigo e cidadão.
Essas perguntas são a minha bússola, que me levam a priorizar minhas relações, minha saúde emocional e física. Eu tento me vincular cada vez mais com esse meu futuro “eu” sob uma perspectiva de protegê-lo e fazer com que, no final dessa trilha, eu possa olhar para trás não com desespero, mas com generosidade e contentamento.
Fórum São Paulo da Longevidade: Que mensagem o senhor gostaria de deixar ao público do Fórum sobre a importância de “viver mais e melhor”, aproveitando não apenas os anos adicionais de vida, mas também a qualidade, a autonomia e as conexões sociais ao longo dessa jornada?
Egídio Dorea: A mensagem que gostaria de deixar é de que envelhecer é um presente. Temos os momentos de reveses, mas viver cada dia e tornar a nossa vida significativa para nós e para os outros deve ser celebrado e não ser motivo de vergonha. A vida é rica, complexa e, justamente por isso, é bela em todas as suas idades.