Em entrevista ao portal do Fórum São Paulo da Longevidade, Marcia Vieira — administradora, professora, consultora associada da FIPECAFI-FEA-USP e fundadora do ecossistema formado pela MasterCare, CONACARE e Hub Longevidade, que conecta tecnologia, educação e soluções para transformar o cuidado e promover a expansão de líderes e marcas no mercado 50+ — fala sobre o tema central do CONACARE 2025, “Envelhecer com cuidado não pode ser um privilégio, porque, antes de tudo, é um direito”.
Ela também antecipa outras temáticas em discussão no evento, como economia do cuidado, aging in place (envelhecer em casa), impacto do envelhecimento da população nos sistemas de saúde público e privado, violência contra a pessoa idosa, novos modelos de moradia sênior, inovação em assistência domiciliar e a relação entre prevenção, autonomia e dignidade na longevidade.
Fórum São Paulo da Longevidade (FSPL): Este ano o CONACARE acontece novamente durante o Fórum São Paulo da Longevidade. Qual é a importância dessa integração para fortalecer o debate sobre cuidados, envelhecimento saudável e políticas para a longevidade no Brasil?
Marcia Vieira: A integração do CONACARE ao Fórum São Paulo da Longevidade, uma aliança desde 2021, potencializa o alcance e a profundidade do debate sobre cuidados e envelhecimento ativo e saudável no Brasil. Ao reunir especialistas, gestores públicos, iniciativa privada e sociedade civil, conseguimos tratar o cuidado de forma integral — não apenas como um tema de saúde, mas como um eixo de desenvolvimento econômico, transformação social e garantia de direitos. Essa união fortalece o ecossistema e amplia nossa capacidade de gerar impacto real. Sem dúvida, é o principal palco do país para marcas e líderes que cuidam, inovam e transformam a longevidade.
FSPL: A profissão de cuidador é peça-chave no ecossistema da longevidade. Na sua visão, quais são os principais desafios e avanços em relação à valorização e regulamentação da atividade no país?
Marcia Vieira: A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) reconhece “Cuidador de Idosos” como ocupação (código 5162-10) e, nas últimas décadas, essa atividade tem crescido de forma acelerada. Entre 2019 e 2023, o número de cuidadores remunerados aumentou 15%, chegando a 840 mil — número que pode ser bem maior devido à alta informalidade.
Um estudo inédito da MasterCare, com 2.568 cuidadores de todo o Brasil, revelou um retrato consistente desse segmento: 90,2% são mulheres; 29,2% têm entre 36 e 45 anos e 14,2% entre 46 e 65 anos; 84,9% são chefes ou co-chefes financeiros da família. Em termos de escolaridade, 56,8% possuem ensino médio completo, 9,2% ensino médio incompleto e 16,1% ensino técnico.
No campo legislativo, temos avanços importantes:
- Em 2023, o PL 3.242/2020 foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos do Senado, inserindo no Estatuto da Pessoa Idosa a definição e as atribuições do cuidador.
- Em 2024, o PL 5.178/2020, que regulamenta a profissão, avançou na Comissão de Assuntos Econômicos e segue em tramitação.
- Ainda em 2024, a Lei 15.069/2024 — Política Nacional de Cuidados — reconheceu formalmente os cuidadores remunerados como público prioritário. O desafio agora é sua implementação, para que seus efeitos promovam e protejam os direitos de quem cuida e de quem precisa de cuidados.
Essas conquistas, fruto de décadas de mobilização social, evidenciam a urgência de regulamentar e qualificar essa força de trabalho essencial para a vida das pessoas idosas, para a economia e para os sistemas público e privado de saúde. Cuidar exige conhecimento e formação: educar para o cuidado é investir em proteção à vida, bem-estar, prevenção de riscos e intercorrências evitáveis, geração de trabalho e renda, fortalecendo toda a rede de suporte à longevidade.
FSPL: Quais serão os temas centrais e as novidades do CONACARE 2025? Há alguma discussão ou iniciativa inédita que a MasterCare trará para o evento?
Marcia Vieira: O tema central deste ano — “Envelhecer com cuidado não pode ser um privilégio, porque, antes de tudo, é um direito” — orientará dois dias de programação com oito painéis e cerca de 30 painelistas. Teremos discussões inéditas sobre economia do cuidado, aging in place (envelhecer em casa), impacto do envelhecimento da população nos sistemas de saúde público e privado, violência contra a pessoa idosa, novos modelos de moradia sênior, inovação em assistência domiciliar e a relação entre prevenção, autonomia e dignidade na longevidade.
Uma novidade será a criação de uma agenda colaborativa intersetorial sobre a Política Nacional de Cuidados.
FSPL: A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu recentemente o cuidado como um direito humano autônomo, com três dimensões: “ser cuidado”, “cuidar” e “autocuidado”. O que essa decisão representa para o Brasil, especialmente no contexto das ações do CONACARE e das políticas nacionais de cuidados?
Marcia Vieira: A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio do Parecer Consultivo nº 31, de 7 de agosto de 2025, solicitado pela República da Argentina, é histórica. Ela reconhece o cuidado como um direito humano autônomo, com três dimensões — “ser cuidado”, “cuidar” e “autocuidado” — e determina que os Estados garantam condições para que esse direito seja exercido com dignidade, segurança e equidade.
Na prática, significa tirar o cuidado da esfera exclusiva da família ou do afeto, reconhecendo-o como um dever compartilhado entre Estado, sociedade e setor privado. No Brasil, essa decisão encontra um cenário em movimento. A Política Nacional de Cuidados (Lei Federal nº 15.069, de dezembro de 2024) já representou um marco ao estabelecer diretrizes para valorizar cuidadores — formais e familiares — e assegurar que pessoas idosas, crianças, pessoas com deficiência, em vulnerabilidade ou em fases específicas da vida tenham apoio adequado.
Os números mostram a urgência: segundo o DIEESE, 58% dos brasileiros 60+ têm comorbidades e demandam ou demandarão cuidados. Entre 2016 e 2019, o número de cuidadores familiares cresceu 40%, chegando a 5,1 milhões (PNAD-C 2019). Somados aos quase 1 milhão de cuidadores remunerados — número ainda subdimensionado —, temos mais de 6 milhões de brasileiros dedicados ao cuidado, entre familiares e profissionais.
É nesse contexto que o CONACARE – Congresso Nacional de Cuidadores, Cuidados e Longevidade — se fortalece como espaço de articulação e mobilização, reunindo especialistas, formuladores de políticas públicas, empresas e sociedade para transformar esse reconhecimento internacional em ações concretas que ampliem qualidade, acesso e valorização do cuidado no país.
FSPL: Como o CONACARE tem contribuído ao longo dos anos para melhorar a formação, a valorização profissional e as políticas públicas voltadas ao cuidado com pessoas idosas no Brasil?
Marcia Vieira: O CONACARE é mais que um congresso — é um movimento nacional pela transformação do cuidado com pessoas idosas. Desde sua criação, conecta cuidadores (formais e familiares), gestores públicos, pesquisadores, empresários, organizações da sociedade civil e autoridades, promovendo debates qualificados, apresentando soluções inovadoras e estimulando políticas públicas, produtos, serviços e redes que apoiem quem cuida e assegurem o bem-estar de quem recebe o cuidado.
Nascido durante a Longevidade Expo+Fórum em 2022, o evento é fruto da atuação da MasterCare, fundada em 2020, que já reuniu mais de 200 especialistas e autoridades em cursos, lives e edições do CONACARE, impactando centenas de milhares de pessoas. A educação para o cuidado salva vidas, evita internações e transforma realidades — e, desde sua primeira edição, o CONACARE se tornou o principal espaço no Brasil dedicado a dar voz aos cuidadores.
Cada edição reforça essa missão, gerando conteúdo, visibilidade e articulação entre todos os atores do ecossistema da longevidade. Em 2025, o Congresso expande fronteiras com uma edição internacional em Gramado/RS, durante a GerontoFair, reunindo experiências e iniciativas sobre cuidado e longevidade de países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia e Chile. Essa abertura ao diálogo latino-americano permitirá compreender como e quem está cuidando das pessoas com mais de 80, 90 e 100 anos em diferentes contextos socioeconômicos e culturais, fortalecendo a missão de construir uma nova longevidade: mais inclusiva, ativa e digna para todos.
FSPL: A MasterCare é parceira histórica do Fórum São Paulo da Longevidade. Como avalia essa trajetória conjunta e qual o papel dessa parceria na consolidação do Fórum como espaço de referência para o setor?
Marcia Vieira: Nossa parceria com o Fórum São Paulo da Longevidade é estratégica e transformadora. Ao longo dos anos, consolidamos juntos um espaço de referência para o debate sobre o cuidado no Brasil, capaz de unir negócios, políticas públicas e inovação social. Essa sinergia amplia a relevância dos dois eventos e cria um ambiente fértil para que ideias se transformem em ações concretas. Nossa primeira participação no Fórum se deu ainda na pandemia, em 2021, durante a 3ª edição (digital), e desde então seguimos juntos neste movimento de apresentar ao país a relevância da economia do cuidado e da longevidade e sua imensa capacidade de transformação social, geração de trabalho e renda, além da expansão de negócios.
FSPL: Um dos objetivos do CONACARE é conectar profissionais, gestores, familiares e autoridades. Como essa integração ajuda a transformar o cuidado e a promover uma sociedade mais inclusiva e preparada para o envelhecimento da população?
Marcia Vieira: O cuidado é um ato coletivo. Quando aproximamos profissionais, gestores, familiares e autoridades, criamos pontes para que o conhecimento circule, as necessidades sejam ouvidas e as soluções sejam construídas de forma colaborativa. Essa integração é o que permite transformar realidades: garantir que a pessoa idosa receba um cuidado digno, seguro e qualificado, independentemente de sua condição socioeconômica. Temos inúmeros exemplos de empresas, profissionais de saúde e lideranças que, a partir do CONACARE, ampliaram sua atuação, desenvolveram novas tecnologias e negócios, criaram eventos, produtos e serviços, influenciaram políticas públicas e passaram a ter um novo olhar sobre a longevidade.
FSPL: O CONACARE faz parte de um ecossistema maior que reúne iniciativas voltadas ao cuidado e à longevidade. Como funciona esse ecossistema e qual o seu impacto?
Marcia Vieira: O Ecossistema MasterCare | CONACARE | Hub Longevidade nasceu para integrar e potencializar iniciativas que impactam diretamente a vida das pessoas idosas (ao cuidarem, receberem cuidado e se cuidarem). Ele é formado por três pilares complementares: a MasterCare, responsável por metodologias e programas de capacitação para cuidadores formais e familiares e por tecnologias que conectam quem quer atuar ou já atua nesta área a quem contrata profissionais (match); o CONACARE, que é o grande fórum nacional e agora internacional de debate, visibilidade e articulação de políticas e soluções para o cuidado; e o Hub Longevidade, que conecta grandes empresas, startups, investidores, instituições de ensino, organizações da sociedade civil e governos para fomentar produtos, serviços, políticas públicas e tecnologias que promovam saúde, trabalho, propósito, empreendedorismo, sustentabilidade financeira e qualidade de vida para o público 50+.
Esse modelo em rede permite que o impacto vá muito além dos eventos: geramos conhecimento, criamos pontes entre setores, incentivamos a inovação e fortalecemos o mercado da longevidade no Brasil e na América Latina. Em pouco mais de cinco anos, já mobilizamos centenas de milhares de pessoas, qualificamos milhares de cuidadores, contribuímos com o empreendedorismo no setor e influenciamos políticas públicas — sempre com a visão de que envelhecer não é adoecer.
Acreditamos na expansão dos anos de vida com saúde (o healthspan, segundo o Dr. Peter Attia), de forma ativa e oferecendo cuidado digno àqueles que precisam de mais apoios, honrando os longevos da nossa sociedade, aqueles que vieram antes de nós e construíram o caminho que trilhamos.
FSPL: Olhando para os próximos anos, quais são os caminhos que o setor de cuidados e o movimento de longevidade devem seguir?
Marcia Vieira: Vivemos um momento histórico. O Brasil já ultrapassou a marca de 37,6 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Ao todo, somos 55 milhões de brasileiros entre 50 e 100 anos. Para além dos números, essa transformação está diante de nós: nas nossas casas, nas ruas, nas famílias. É a filha de 70 anos que cuida da mãe de 90. São vizinhos que ajudam a cuidar das pessoas idosas da comunidade, pessoas que se reinventam após os 50, que voltam a estudar, empreendem, viajam, frequentam academias, eventos culturais. Mulheres que começam a falar abertamente sobre a menopausa e a buscar novos caminhos para uma nova vida.
Novos comportamentos e hábitos de consumo surgem para quem já se prepara para passar dos 80, 90, 100 anos. Viver mais é uma conquista da sociedade; agora, o grande desafio é garantir que esses anos sejam vividos com saúde, autonomia e dignidade.
A longevidade deixou de ser tendência para se consolidar como um dos maiores vetores de transformação social e econômica do século, movimentando R$ 2 trilhões no Brasil e R$ 93,62 trilhões no mundo. Em um país de profundas desigualdades e ainda marcado pelo etarismo, viver mais é ao mesmo tempo conquista e desafio.
Para responder a essa nova realidade, criamos um ecossistema que conecta a iniciativa privada, governos e sociedade civil no desenvolvimento de projetos, produtos, serviços e políticas públicas voltados à longevidade. Nossa contribuição é desenhar um futuro com um olhar moderno sobre a nova geração 50+.
Recomendo que as marcas que ainda não incorporaram a longevidade às suas pautas de ESG, políticas de RH e estratégia o façam sem demora. Sempre agradeço a todos os parceiros, clientes, patrocinadores, cuidadores, famílias e profissionais que ajudam a fortalecer esse movimento.
Com os temas definidos e programa em andamento, o Fórum já está com as inscrições abertas. Peça agora a sua credencial e escolha os eventos de seu interesse no link www.longevidade.com.br/forum2025
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