Uma das fundadoras do Movimento de Mulheres Municipalistas, integrante da Confederação Nacional dos Municípios e criadora da Centro de Estudos e Apoio aos Municípios e Empresas, ressalta a necessidade de frentes que busquem mais respeito e direitos para pessoas 60+
A rotina de Dalva Christofoletti Paes da Silva contraria todas as expectativas sociais a respeito de uma pessoa de 85 anos. A executiva começa os trabalhos às 6 horas da manhã e encerra próximo à meia-noite. Na agenda do dia há pelo menos três reuniões virtuais e outros dois compromissos por telefone. Seus atendimentos são, em maioria, consultoria de projetos para municípios e primeiras-damas. Dalva completou recentemente 68 anos de trabalho no movimento municipalista, do qual começou na cidade de Rio Claro em 1954. Desde então, ela se dedica integralmente a projetos que contribuam diretamente com o município, além da luta pelo protagonismo feminino nos ambientes de poder e decisão.
Por mais de 25 anos, Dalva foi diretora executiva da Associação Paulista de Municípios (APM), onde hoje é relações públicas e membro do Conselho Técnico Multidisciplinar. A carreira começou quando em abril de 1954, ainda muito jovem, foi representar o prefeito de Rio Claro em uma reunião da entidade.
“Lembro-me que era dia primeiro de abril, mas a história é verdade. O prefeito pediu que eu o representasse em uma reunião com o então presidente da APM, Aniz Badra. Ele pediu que eu anotasse a pauta da reunião e não me manifestasse, apenas justificasse sua ausência. Quando entrei na sala me vi cercada por centenas de homens. Eu era a única mulher naquele espaço, e com os meus mais de 1.70 de altura era impossível de não ser notada. Descumpri as ordens do prefeito, acabei me manifestando e naquele dia me apaixonei pela causa municipalista e, além disso, entendi que tinha que lutar por mais protagonismo feminino nesses espaços”, explica.
Dalva conta que sua atuação na APM é fortalecer os objetivos da instituição ao evidenciar a importância dos municípios. Na divisão dos recursos, as cidades acabam ficando com a menor parcela da arrecadação, o que afeta e limita diretamente seu desempenho nos serviços oferecidos. Entre as principais conquistas da entidade, que soma 70 anos de ação, estão a inclusão de municípios como entes federativos na constituição de 1988, o aumento da participação no fundos dos municípios – hoje estipulado em 22,5% – e as regulamentações que tornaram semanais os repasses às cidades dos recursos arrecadados por meio do ICMS.
Luta feminina – Dalva conta que desde jovem desafia os limites impostos pela sociedade à mulher. Ao se formar em 1954 ela era uma das poucas mulheres da turma, pois, na época, estudar era atividade para os homens. Também foi esportista, destacando-se em campeonatos de basquete e atletismo. Na luta municipalista, trouxe protagonismo e valorização para a mulher por meio do Fórum Nacional de Primeiras-damas e pelo Movimento de Mulheres Municipalistas. “Nossa luta é pela valorização da mulher nos espaços políticos. As primeiras-damas, por exemplo, não tem cargo, mas possuem funções muito importantes. O estado de São Paulo é o único do Brasil que tem um fundo social, espaço conhecido pelo ávido trabalho das primeiras-damas. Estou, inclusive, trabalhando em um projeto chamado Enciclopédia de Primeiras-damas, para apresentar às pessoas as mulheres maravilhosas que já passaram pela política mas não foram notadas”.
Um dos episódios mais conhecidos de Dalva por igualdade de gênero foi quando ela denunciou durante uma coletiva de imprensa nos anos 1980 a falta de sanitários femininos no Senado Federal. A casa só passou a ter um banheiro para mulheres em 2016.
Ao longo de sua carreira, Dalva Christofoletti atuou também como professora universitária, funcionária pública, gestora pública e representantes de conselhos empresariais. Colaborou na fundação da Confederação Nacional dos Municípios e na criação, em 1992, do CEAME – Centro de Estudo e Apoio aos Municípios e Empresas, entidade que preside até hoje.
Longevidade – A executiva não enxerga a idade como um peso, mas sim como dádiva. Muito ativa, Dalva é mãe de três filhos e avó de quatro netos. 85+, ela viaja a negócios e realiza palestras em todo o Brasil. Dalva defende que haja mais conhecimento sobre o envelhecimento ativo e saudável, bem como os direitos dos longevos no país.
“Todas as pessoas deveriam ter acesso ao estatuto do idoso. Estamos pensando em um projeto que ajude a evidenciar o estatuto nos estabelecimentos comerciais. O longevo precisa conhecer profundamente seus direitos e fazê-los valer neste país. Idoso tem conhecimento, história, cultura. Não há mais espaço para esse pensamento que não nos considera como entes produtivos e nos aparta da sociedade. É preciso investir cada vez mais em políticas públicas sobre o assunto”.
Em uma de suas palestras, intitulada “Felicidade é obrigação”, Dalva exalta as belezas da vida sênior.
“Longevidade é um presente que nem todos podem ter. Envelhecer é uma arte e cabe à nós transformá-la. Às vezes acordo de manhã ao som de marteladas da construção civil no entorno do bairro. Ao invés de reclamar, agradeço por estar viva, por vivenciar mais um dia com minha família maravilhosa, fazer minhas atividades. Não me incomodo com o barulho, essa martelada é sinal de que um pai de família está empregado. Esse é o segredo da vida, transformar seu olhar”.
Obrigada, Dalva!