Por Juliana Ramalho, CEO da Talento Sênior
Em um mundo em que, insistentemente se tem apostado na colaboração, cada vez menos a expressão ‘reter talentos’ tem feito sentido. Afinal, reter significa interromper, conter, deter.
Ao criar uma empresa de ‘Talent as a Service’, eu me deparei com essa questão e me propus a estudá-la. Como parte dessa jornada, mergulhei em livros como “Trabalho”, de James Susman, PhD; “2030”, de Mauro F. Guillén; “A Cilada da Meritocracia”, de Daniel Markowits, “(Re)inventando Organizações”, de Frédéric Laloux, além de trazer à mente vários TEDs e artigos.
Essas análises evidenciam que estamos no meio do caminho entre as regras de trabalho que nasceram com a agricultura e foram redefinidas pela Revolução Industrial e uma nova sociedade que vai ter robôs e Inteligência Artificial para assumir todas as atividades operacionais, ou seja, um mercado de trabalho no qual ‘homem-hora’ talvez seja uma expressão em extinção.
Já é fato que as evoluções de produtos, empresas, serviços, países, ficarão ainda mais entregues a pessoas de grande capacidade analítica e criativa. Nesse contexto de reinvenção que as empresas esperam dos profissionais e das oportunidades que oferecem a eles, faz ainda menos sentido a lógica de desempenho baseada na cronometragem de operações padronizadas. A profundidade e as conexões simultâneas conquistam territórios antes pertencentes à linearidade.
A definição de talento está cada vez mais distante do que segue programações rígidas e inflexíveis. O intangível passa a ser diferencial em realidades que dispensam até mesmo a presença física das pessoas. Como falar em retenção nesse cenário, se mesmo o conceito de talento está em revisão?
James Susman apontou em seu livro “Trabalho” que foi a empresa de consultoria Global McKinsey & Company que iniciou essa histeria. Em 1998, os consultores da McKinsey introduziram a palavra ‘talento’ ao discurso corporativo, quando intitularam um de seus briefings trimestrais para clientes e potenciais clientes como “A guerra pelos talentos”. Isso virou um livro chamado “A Guerra pelo talento”, de Edward Michaels (2002).
Esse livro mostra que, depois disso, as áreas de RH ganharam força e espaço nas decisões estratégicas, as políticas de premiar “soft skills” pipocaram e diferenças salariais gigantes entre CEO e o piso da empresa foram muito bem justificadas.
Obviamente o CEO não é pago por hora, e sim por sua capacidade intelectual expressa em habilidades como as de liderança e de entrega de resultados efetivos para os negócios. Sendo assim, é possível que o CEO esteja presencialmente na empresa apenas três vezes por semana e obtenha os mesmos resultados que se estivesse lá 40 horas semanais. Se isso é verdade, esse CEO pode exercer outras atividades nos demais dias, já que ele não está preso ao controle de ponto. Com isso, ele pode ser CEO compartilhado entre empresas ou é extremamente necessário reter o talento dele em uma companhia apenas?
Ao aplicar o mesmo raciocínio para uma posição de menos liderança, por exemplo, tomemos uma equipe de 100 desenvolvedores de uma grande corporação. O desenvolvedor A é responsável por uma entrega dentro do projeto. Ele montou o código e finalizou sua etapa, tendo agora que aguardar uma outra fase da empresa. Para que no dia seguinte ele vá trabalhar, o líder ou RH ganham uma preocupação: alocá-lo em outro projeto. Com sorte, talvez tenha alguma vaga de imediato e ele nem precise amargar a espera de nova colocação dentro da própria empresa. Afinal, ele é um talento “retido”!
Agora, vamos imaginar que ele é livre para avisar a empresa que vai ficar algumas semanas na praia descansando ou que vai realizar um trabalho voluntário em um hospital que precisa de ajuda para um novo sistema, então vai assumir esse job.
Em ambas as decisões, a empresa deixaria de pagar o profissional e provavelmente evitaria alguns custos de “burnout”. Quem conhece o mercado de contratação de freelancers entende esta dinâmica muito bem. Mas por que isso está demorando a chegar nas grandes empresas? Porque insistem na retenção, que custa muito e mesmo assim traz tanto “burnout”, tampouco evita o “quiet quitting”?
Resposta rápida que tenho até então: o medo dos gestores é o de perder o controle total do que sua equipe está fazendo ou de não terem seus funcionários disponíveis sempre que precisarem.
Em um novo conceito de contrato, no qual o profissional é um talento livre, é possível que ele aguarde esse ‘novo projeto’ em um job externo, vendendo seu talento por hora trabalhada para outra empresa, enquanto seu contrato está em “pause” na sua contratante principal. Esse é um modelo que as grandes empresas ainda resistem e por motivos que não se justificam: os de controle e disponibilidade. Essa cultura precisa avançar. Afinal, controle e retenção andam juntos. E provavelmente não existirão em 2030.
(Imagens: divulgação)